Ela, Daniela
Musicalmente me defino antes e depois dela, Daniela. Sim, ela mesma, a Mercury.
Calma, explico.
Até a minha adolescência não havia nada em mim que se pudesse definir como gosto musical.
Navegava com o mesmo fervor por qualquer coisa que tocasse na rádio ou na Tv.
Assim foi com Xuxa. Sim, quanta xuxa eu já escutei nessa minha vida.
Quando já não era mais baixinho, me dediquei às novas ondas.
E assim passei pela da lambada, pela sertaneja, intercaladas por uma súbita passagem de Rosana, também aquela mesma de "Como Uma Deusa".
Seguindo esse panorama, continuaria eu hoje escutando "Eguinha Pocotó" ou Kelly Key?
Não sei.
Sei que a mudança se inicou com Daniela. Era a nova onda, a axé music, na qual eu mergulhei mais uma vez.
Os três primeiros discos de Daniela, todos parte da minha coleção, hoje são datados. Extremamente comprometidos com a indústria, então em ebulição, sufocam o talento da cantora em composições insípidas e inúmeros baticums.
O pulo veio mesmo no quarto CD, o qual persiste como o trabalho mais maduro e honesto da baiana até hoje. É um trabalho corajoso, que lança ao público o compositor Chico César (em A primeira vista) e repete bons momentos com Marcio Mello (Nobre Vagabundo, Bandeira Flor), Carlinhos Brown (Rapunzel e Vide Gal). Parecia então a cantora estar próxima do difícil ponto de equilíbrio entre qualidade e indústria, quando o mundo de Daniela caiu.
O sucesso desse CD foi seguido por um injustificável e tolo CD ao vivo, com repetições enfadonhas dos seus sucessos.
Nesse momento, Daniela, no entanto, já havia me auxiliado. Isntigado por "A primeira vista", já devorava avidamente os cds de Chico César, que me apresentaram Zeca Baleiro e definitivamente me introduziram no mundo desta MPB que me fascina desde então, não como uma onda, mas como um gosto musical, quase um traço da minha personalidade.
Mas "não, não me abandone".
Nesse meio tempo, Daniela correu atrás do tempo perdido. Sucessivamente tentava equilibrar seu trabalho entre o que queria fazer e o que queriam que fizesse. No meio desse conflito, tudo o que conseguiu foram discos irregulares, tensos, em que atirava para vários focos incertos.
No último domingo, caiu em minha mão o novo CD da cantora, batizado de Carnaval Eletrônico, no qual a cantora radicaliza enfim suas experiências com a música eletrônica. Ao terminar de escutá-lo, fiquei satisfeito. Daniela foi muito corajosa nessa nova empreitada e depois de muito tempo voltou a produzir algo com vigor, com sabor de novo.
A abertura do CD, com Maimbê Dadá, de (e com) Carlinhos Brown, é a cara de Daniela e reforça-a como a melhor intérprete do lado axé de Brown (Marisa Monte cataliza o lado "tribalista"). Mas é nas regravações, todas com cara de inéditas, que saem a graça do CD: Vou Batê Pá Tu, Que Baque é Esse (com Lenine), A Tonga da Mironga do Kabuletê, Amor de Carnaval (com Gilberto Gil) e Quero Voltar pra Bahia. Tudo muito misturado por Memê, Anderson Noise, Zé Pedro e etc.
Não sei qual será a trajetória desse CD, mas é um agradável sacode-poeira na carreira de Daniela.
A única coisa irritante é a insistência da cantora em se afirmar como compositora, talvez para se igualar a outras de sua geração (Calcanhotto, Ana, Marisa...). As faixas de sua autoria são as menos inspiradas.
Mas já é um bom (re)começo.
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